Milonga do Pajador

João de Almeida Neto

Eu não direi de ti, ausência ardente
A falta que a guitarra ainda chora
O ocaso que ficou dentro da gente
Naquela noite triste sem aurora

Eu só direi de ti a lira inquieta
Que o vento vem tanger nas casuarinas
O rio que em murmúrios desatina
Pranteando o pajador na pampa aberta

Todo o violão se fez um ataúde
Mas ressuscitas dessa arcádia morta
Pra por cadência nas sonatas rudes
Dos que o destino não abriu a porta

Alguns romeiros te acendem velas
Em rezas xucras de vocabulário
Outros se tornam teus fiéis templários
Nas pulperías onde te revelas

E quando chove ausência nos meus olhos
Nas longas madrugadas da campanha
Sozinho, com a guitarra sobre o colo
É sempre um verso teu que me acompanha

A ausência que deixaste é ilusória
Não sei se por encanto ou por magia
Agora, tu também és poesia
Translúcida em sonora trajetória

Pois te declamam nos confins rurais
O peão humilde pra ninar a prenda
O piá gaúcho pra cantar legenda
E os cataventos pelos temporais

Quem irá herdar o teu idioma
Rebanho que só tu apacentavas?
Em cânticos de bailes e de domas
Detinhas o domínio das palavras

Cantor das aflições dos arrabaldes
Em tua tessitura missioneira
Sabias dos acordes das goteiras
Cantando vendaval dentro dos baldes

Tracker

All lyrics are property and copyright of their owners. All lyrics provided for educational purposes only.