Borracho

Glaucus Saraiva

Pobre borracho, ajoelhado
No oratório do bolicho!
Teu presente é como o lixo
Que sobrou do teu passado
Tens o futuro castrado
De esperança e ilusões
Te incorporaste aos balcões
Das pulperias do pampa
Se vives a meia guampa
Encharcado de bebida
É pra esquecer a caída
Dessa outra bebedeira
Que tomas, a guampa inteira
No copo amargo da vida

Mastigando o teu silêncio
Como quem reza baixinho
Vais garganteando aos pouquinhos
Teu ato de contrição
Feito de canha e limão
Por monges de estranha cúria
Nesta liturgia espúria
Praticada no balcão

Mas não tens quem te absorva
Nem que ouça a tua reza
Geralmente te desepreza
A maioria, borracho
E, assim, vais vivendo guacho
De carinho e compreensão
Mas eu te respeito, irmão
Pois diz o velho ditado
Que até Deus, penalizado
Frente a criança e ao borracho
Deus coloca a mão por baixo

Todos nós somos borrachos
A canha é que é diferente
Eu conheço muita gente
Que rola por este mundo
Vivendo dramas profundos
Embriagado de dor
Outros, borrachos de amor
Dão tudo, dão corpo e alma
Vivendo a íntima calma
Que só nos traz a bondade

Alguns, ébrios de vaidade
Bebem tragos de si mesmo
E vão ostentando a esmo
Garrafões de narcisismo
Canha feita de egoísmo
Indiferença e arrogância
Outros, pobre ignorância
Se embriagam de dinheiro
E fazem da vida celeiro
Para amontoar a riqueza
Vivendo a extrema pobreza
Da indigência espiritual
Algum prefere o imortal
Licor feito de esperança
E a realidade amansa
Bebendo ilusão e sonho

E, por fim, nos vem tristonho
Emponchado em desencanto
Um que bebe o próprio pranto
Destilado, com certeza
Do alambique da tristeza
Que bate no peito seu!
Agora peço: Por Deus
Bolicheiro do meu pago
Venha no mais outro trago
Que este borracho sou eu!

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