O Pajador Perseguido VI

Demétrio Xavier

Alguns eram bons cantores
Outros não faziam feio
Mas nenhum canto era alheio
Ainda que marcas não tinham
E as noites iam e vinham
Entre canto e guitarreio

Chegava às vezes do povo
Algum professor letrado
E, após haver escutado
Os versitos que anotava
A guaiaca recheava
Com o que outros tinham pensado

O campeiro faz seus versos
Sobre suas antigas dores
E chegam esses senhores
Com um caderno na mão
Copiam o canto do peão
E se dizem escritores

O peão cuida seu flete
Sua mulher, seu violão
Pra ele, é uma obrigação
Sua palavra de paisano
Para tudo ele é vaqueano
Pra guardar seu verso, não

Versos que acompanharam
A andança só do campeiro
Guerras passadas e cheiros
De flores há muito mortas
São a luz que o conforta
Como na noite o luzeiro

O afligirá extraviar
Um buçal ou um maneador
Porém, não sente furor
Se, ao escutar-lhe uma trova
Vem um povoeiro e lhe rouba
Seu melhor canto de amor

Claro que, pensando bem
Se acaba achando o caminho
Que o verso antigo, igualzinho
À própria raíz da vida
Tem a alma por guarida
Que é onde a queixa faz ninho

Por isso o homem, ao cantar
Com emoção verdadeira
Expulsa a dor de maneira
Que leve consigo os ventos
E, ao menos, por um momento
Alivia suas bicheiras

Não que não ame sua trova
Ou que despreze seu canto
É assim, feito um quebranto
Que, à noite, na escuridão
Afrouxa do índio o garrão
E o vento leva-lhe o pranto

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